22 de junho de 2018

Farmácia Popular: A polêmica dos repasses

Com a justificativa de eliminar distorções de preços pagos por medicamentos do Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB), o governo federal fez adequações nos valores repassados às unidades que fazem parte do Programa.

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A medida – publicada na Portaria 739/12 e que começou a valer em 30 de abril último – é resultado de um estudo com base no Sistema de Acompanhamento de Mercado de Medicamentos (Sammed), o qual aponta que os valores pagos pela pasta em 20 medicamentos estavam defasados.

Argumenta-se, por exemplo, que alguns produtos estavam com valores mais de 200% acima do mercado. Anteriormente, eram obedecidas as regras da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), mas estima-se que, neste modelo, somente em 2017, os gastos com o Programa totalizaram R$ 300 milhões a mais do que o previsto.

Regras diferenciadas para a insulina

Diferentemente dos outros medicamentos, o total de repasse das insulinas será calculado pelo preço pago atualmente pelo Ministério da Saúde (MS) nas compras públicas. O valor será de R$ 10,50 adicionado 40% de margem de lucro para as drogarias e o Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) do estado.

Atualmente, as insulinas dispensadas pelo Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB), que são as mesmas distribuídas nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), têm valor 152% maior do que as adquiridas de forma centralizada pela pasta. Com a medida, a economia para os cofres públicos pode chegar a mais de R$ 100 milhões por ano, sendo que não haverá ônus para o usuário.

Nesse sentido, a proposta do governo federal foi a garantia de uma margem de 40% às unidades credenciadas, ou seja, de praticamente R$ 1 bilhão.

Para o Ministério da Saúde (MS), o reajuste deve gerar uma economia de até R$ 80 milhões ao ano, valor que será integralmente revertido em mais acesso aos serviços e produtos da saúde.

Para os usuários de medicamentos, promete-se que não haverá nenhuma mudança, já que os mesmos permanecerão retirando o seu produto gratuitamente.

A medida recém-anunciada também considera um novo sistema de monitoramento para combater as irregularidades na execução do PFPB. Estima-se que as fraudes nessa ação podem representar cerca de 10% dos custos, contabilizando cerca de R$ 2,8 bilhões.

Em 2016, das auditorias realizadas pelo Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (DENASUS), cerca de 40% tiveram relação com o Programa e em apenas uma farmácia não foi detectada irregularidade. Os processos indicaram devolução de quase R$ 60 milhões aos cofres públicos devido às dispensações impróprias de medicamentos.

Visão de quem é contra

Atualmente, as farmácias particulares participantes do Programa, por meio do Programa Aqui Tem Farmácia Popular, contribuem para cobrir as lacunas da rede pública na distribuição de medicamentos aos municípios brasileiros.

Esses estabelecimentos recebem um reembolso do governo a cada unidade de medicamento dispensada, com base em uma tabela de valores regulamentada na CMED. Porém, a redução do reembolso inviabiliza o acordo, na visão do presidente executivo da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sérgio Mena Barreto.

“Os preços sugeridos pelo governo, e que preveem redução de até 60%, não compensam os custos. As farmácias não conseguirão receber menos do que pagam para a indústria”, afirma.

“O PFPB é considerado, pelo próprio poder público e por avaliações feitas em todo o País, o mais bem-sucedido projeto de saúde pública do Brasil. Mas sem reajustes no valor de referência desde que foi criado e, agora, com o corte proposto, o Programa tende à extinção. É lamentável”, acrescenta.

A Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar) também prevê que o impacto dessas medidas deve ser bastante negativo para as farmácias participantes e que esse novo modelo torne o Programa Aqui Tem Farmácia Popular desinteressante ao mercado.

“O governo desconsiderou diversos pontos nessa mudança, como a baixa representatividade da venda em valores (menos que 3% da venda total do mercado); o baixo estímulo comercial em razão das pequenas margens de ganho em valores para várias apresentações liberadas para atendimento do Programa; a margem negativa para alguns produtos, que pode levar parte das farmácias a não adquiri-los e, com isto, gerar ruptura no atendimento dos consumidores; além do tíquete médio de venda pouco atrativo, representando apenas um terço de um tíquete médio normal de uma farmácia”, enumera o presidente da entidade e também da Farmacas, Edison Tamascia.

O executivo da Febrafar afirma, ainda, que não há garantia de redução ou mesmo de manutenção dos atuais níveis de tributação dos produtos do Programa, e há ausência de variável de correção de preços, de acordo com a legislação vigente para o setor (atual tabela de preços de referência vem sendo deflacionada na maioria dos produtos ao longo dos anos, desde 2009).

Para Tamascia, outro ponto crítico é o alto custo para manutenção do Programa dentro das farmácias, com tempo dispendido e complexidade da ação.

“Deve-se considerar o tempo dispendido para atendimento de cada consumidor no Programa (em média, três vezes maior que o atendimento regular), o alto custo para a guarda e manutenção dos documentos físicos em arquivos pelo período de cinco anos e o custo com aquisição de scanners por terminal de vendas para digitalização das receitas”, conclui.

Assim como a Abrafarma e a Febrafar, outras entidades acreditam que essas novas medidas podem inviabilizar o Programa Aqui Tem Farmácia Popular, especialmente em farmácias de menor porte.

O diretor de acesso da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Pedro Bernardo, afirma que, nessas lojas, o mix de produtos ofertado é reduzido e, dependendo do porte e/ou da localização do estabelecimento, os impactos poderão ser maiores, inclusive pelo fato de a receita originada pela dispensação desses medicamentos ser proporcionalmente maior quando comparada com estabelecimentos de médio ou grande porte.

“Desde a implantação da gratuidade no Programa Aqui Tem Farmácia Popular para oferta de medicamentos de hipertensão, diabetes e asma, muitos municípios deixaram de dispensá-los por meio de farmácias das Unidades Básicas de Saúde (UBSs)”, pondera o executivo, prevendo que, caso as farmácias que participam do Programa não consigam se adequar às novas regras do MS, o principal prejuízo pode recair sobre o paciente.

“Os maiores prejudicados serão os acometidos por doenças crônicas, como asma, diabetes e hipertensão arterial que, com a interrupção do acesso regular aos medicamentos, poderão voltar às internações por agravos das morbidades, elevando os custos de saúde no sistema público”, diz.

O presidente da Febrafar também teme pelo prejuízo aos usuários. “Um dos principais resultados que poderão ser gerados por essa medida é a ruptura no fornecimento de alguns medicamentos, em função do prejuízo que as farmácias terão. Assim, um grande prejudicado também será o consumidor, que não terá o produto de que necessita. Na verdade, com essa mudança, todos saem perdendo, até mesmo o governo, que não percebe que está enfraquecendo um de seus principais programas de prevenção de saúde”, diz.

Nesse sentido, representantes da cadeia farmacêutica entendem que o Programa Aqui tem Farmácia Popular pode ser aperfeiçoado e propõem discussão entre as partes. “O MS decidiu criar, em 30 de janeiro último, um grupo de trabalho para analisar melhorias. Até agora, esse grupo jamais foi reunido”, critica Barreto.

 

Para ver a publicação completa acesse Guia da Farmácia

 

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