30 de abril de 2014

Duas visões de futuro para inovações na indústria farmacêutica

Fomos apresentados, recentemente, a duas visões de futuro para inovações na indústria farmacêutica. Um deles é animador, o outro não. A primeira é o negócio entre Novartis e GlaxoSmithKline, envolvendo US$ 20 bilhões, que trocou ativos de modo que cada uma das companhias possa concentrar-se em determinada área de especialização. A outra é uma abordagem hostil, movida a US$ 46 bilhões, da Valeant – empresa aquisitiva em rápido crescimento e apoiada por fundos de hedge e comandada por um ex-consultor da McKinsey -, tendo como alvo a Allergan, fabricante do Botox.

No primeiro caso, farmacêuticas que investem pesadamente em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de medicamentos contra o câncer e vacinas descobriram uma maneira de especializar-se naquilo que fazem melhor sem recorrer a grandes fusões. No segundo, incessantes fusões e aquisições, acompanhadas por cortes de P&D para economizar dinheiro e agradar Wall Street, produzem novos cremes para acne e pé de atleta.

Qual você prefere? Essa não é uma pergunta ociosa, pois o setor – que sofreu anos de baixa produtividade, queda de retornos e nada ganha com empresas, resultantes de fusões, em dificuldades para manterem-se – está se mexendo. Novos medicamentos contra o câncer e outras doenças graves estão surgindo, juntamente com o apetite e financiamento para fusões e aquisições. Para Pearson, presidente da Valeant, empregar cientistas na busca por novos medicamentos é desperdício de dinheiro. Alguns gostariam de retomar onde o setor foi obrigado a parar, em 2009 – última onda de fusões, com a aquisição da Wyeth pela Pfizer por US$ 68 bilhões. Isso produziu resultados duvidosos, mas a Pfizer, em nada intimidada, sugeriu fusão com a britânica AstraZeneca no valor de US$ 100 bilhões.

A beleza do negócio da Novartis com GSK está em ser feito com precisão e determinação, em vez da habitual receita de Wall Street, que impõe grande prêmio (e grandes comissões a consultores e bancos) pela estruturação de uma colcha de retalhos de ativos. Em vez de pagar um bocado de dinheiro pelo pacote, com medicamentos que não se encaixam bem, ambas as partes podem ser bem seletivas. “Existem ativos, na maioria das empresas, mais valiosos do que outros”, diz Joe Jimenez, executivo-chefe da Novartis.

Empresas compradoras lidam com esse fato extraindo as partes boas. Com esse negócio, a Novartis pode abandonar as vacinas e incorporar a maior parte das operações da GSK de oncologia – além de constituir uma joint venture focada em medicamento sem prescrição médica. É difícil fechar um negócio bom para os dois lados: é preciso encontrar parceiro adequado, pactuar avaliação consensual de ativos, estruturar os negócios de modo a satisfazer ambas as partes e implementar a coisa toda de uma vez. Mas, quando acontecem, como tem ocorrido nos setores de energia e de alimentos, são eficientes.

Esses arranjos são adequados às farmacêuticas, que muitas vezes buscam ampla variedade de projetos de pesquisa e de medicamentos, mas são beneficiadas ao especializar-se. As farmacêuticas não têm interesse em simplesmente vender as divisões pequenas, pois dinheiro já têm bastante, mas querem fortalecer as divisões maiores. Uma permuta de ativos é bem menos glamourosa que a aquisição, mas gera menos desperdícios. Isso nos leva à Valeant. O grupo cresceu muito rápido desde que Michael Pearson, ex-chefe da divisão farmacêutica da McKinsey, tornou-se seu presidente-executivo em 2008. Mas Pearson, bilionário graças ao sistema de gratificações baseadas em desempenho, não vai baixar o ritmo. Ele quer estar entre as cinco maiores do setor em 2016.

O modelo de negócios da Valeant é tão simples quanto são complexas sua estrutura contábil e tributária. Enquanto trabalhava na McKinsey, Pearson concluiu que a indústria farmacêutica era perdulária, não só nas somas gastas com suas sedes e funcionários, mas também em seus investimentos nas descobertas de medicamentos. Empregar cientistas na busca de novos medicamentos era um desperdício de dinheiro, porque o esforço científico muitas vezes não produz êxitos. Quando ele teve a chance de colocar suas ideias em prática, Pearson reduziu as pesquisas na Valeant a 3% das receitas – em comparação com cerca de 19% nas grandes farmacêuticas – e adquiriu produtos mediante a compra de outras empresas. A Valeant adquiriu mais de 35 empresas desde 2008, entre elas a Bausch & Lomb, que comprou por US$ 8,7 bilhões no ano passado.

A fabricante de Botox se encaixa na abordagem de Pearson. Ele gosta de marcas bem conhecidas em áreas como dermatologia e oftalmologia, onde os consumidores são pacientes e médicos, e não seguradoras e operadoras de planos de saúde – rigorosas com custos. Ele planeja cortar em US$ 900 milhões o orçamento de pesquisas da Allergan, de US$ 1,1 bilhão, e concentrar-se em projetos de baixo risco. Pearson gerou grandes lucros para seus acionistas e para si próprio, e pode não ser muito relevante se uma Valeant-Allergan combinada investir mais em variações de Botox (um spray?) do que descobrir uma inovadora formulação química cosmética. Mas se o setor farmacêutico inteiro adotasse sua postura, as descobertas de novos medicamentos estancariam.

Numa vertente, as empresas intensificam as pesquisas em áreas necessárias, como oncologia, permutando ativos a fim de se concentrar no que sabem fazer melhor. Em outra, companhias sucumbem a cortes de custos promovidos por fundos de hedge para os quais cinco anos é muito tempo. É uma escolha moral. 

* Joyhn Gapper é Editor do jornal britânico Financial Times, principalmente publicação internacional de negócios com sede no Reino Unido.


Fonte: Valor Econômico

Compartilhar via: